29 de set. de 2009

AS QUARENTA FLORES DA LIBERDADE






Farto das mesmices televisivas que assaltam diuturnamente nossos lares e nossos cérebros; da invasão impiedosa do império midiático, com suas meias verdades que banalizam a animália humana e suas bestiais manifestações; que subjuga, discrimina, explora e assassina a sua própria espécie. Cansado de ver tanta iniqüidade em nome do deus-lucro a cooptar e corromper os insipientes desejos de mudança.

Vencido, porém aos contundentes “convites” e “argumentos” dos lá de casa, eis-me na platéia, em pleno teatro da Usina de Arte.

De mãos vazias, impaciente. Enquanto aguardo vou divagando.... Quantas obras primas foram apropriadas, deturpadas, diminuídas, diluídas e disfarçadas, para que pudessem entrar no universo “bem organizado” do imaginário burguês? Em quantos textos revolucionários foram acrescentados pontos, vírgulas, reticências... Até o seu mais completo esvaziamento.

Eis-me aqui, e diante de mim SARAMAGO, com seus sonhos, medos e flores - Nossos sonhos, medos e flores que brotam das mãos repletas de calos, a não mais poder, dos camponeses de além mar. São as mesmas mãos miseráveis da África negra, as mesmas mãos duríssimas e calosas da Latino América. E as minhas mãos índias vazias só com calos.

Vi erguerem-se da longa noite dos desprezos, levantarem-se do chão, restos de olhares sobreviventes, vestígios de almas maltratadas. E pouco a pouco, de cada gesto, de cada lágrima, descortinaram-se do próprio pó do chão o clamor da pólvora da indignação dizendo-me, vais... Anda... Luta! Continua... Sempre e sempre...

A cada nascimento e cada morte, morríamos e renascíamos, e cada vagido do recém nascido era o grito da revolta formulando-se à meia voz.

Lá estava SARAMAGO, intacto, inteiro, com os camponeses, como não o queriam. Pois os poderosos temem a influência decisiva da palavra vigorosa, do protesto enérgico, da revolta, do candente verbo de indignação que ateia fogo nas consciências adormecidas, sob a influência ancestral e o peso hercúleo do passado.

Quarenta atores, protagonistas, “levantados e principais”, alí, tornados camponeses, plantados feito guerrilheiros, feitos de sonho e pólvora, contadores de histórias, “amadores”, amando as dores das “custosas vidas dos pobres”, como se suas fossem. Pois amar os seres humanos é amá-los onde a injustiça sangra, em seus pontos mais feios, solitários, tristes, puros, sublimes, inteiros...

E ao fim e ao cabo, levo para casa o coração e as mãos cheios de flores, flores Faustinas, flores Marias Adelaides, flores Clemilsons, flores Clarisses, Flores Marineides... As sementes da libertação a serem semeadas nas primaveras do mundo.

Semeemos!


Miguel Jorge Martins da Silva

Um comentário:

  1. Miguel, o quadragésimo primeiro ator, camponês, índio, irmão do poeta: "Miguel Saramago". Sim, porque, em outra poesia, "Todos os nomes", José escolhe os mortos para voltarem à vida, para olharem suas trajetórias, reverem suas tristezas e reescreverem as suas histórias. Ali, em meio à cabeça de José, um monte de gentes sem esperança, enchidas pelas fezes midiáticas, tem suas histórias revisitadas como a convidá-las a uma nova experiência, à verdadeira alegria, à solidariedade das mãos, à ajuda de levantar-se, dos "levantados do chão".
    Sim, em "todos os nomes" estão todas as trajetórias que constróem os encontros, como aquele em que você, Miguel, diante de uma cortina ansiava o descortinamento não de uma "peça" apenas, mas do mundo, o nosso mundo.
    Sim: daqui, Miguel, deste centro da América do Sul, fiquei a pensar não a emoção do "adeus" às Marias e aos Josés Maltempo, mas na viagem entre a cidade e a Comuna do Benfica: você a pensar a vida, e a vida a embalá-lo como um chão que se levanta, porque levantado pelas mãos calejadas, pelos corações revolucionários.
    É isso, Miguel, é isso.
    Um "levantado" abraço, do chão que é o mundo, do mundo que somos todas e todos nós.
    Jones, de Dourados, Mato Grosso do Sul.

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