Começou o espetáculo. Abririam-se as cortinas, se cortinas houvesse. Estamos, porém, cá fora e os personagens desfilam em nossa frente. Homens e mulheres, mulheres e homens, que nos contarão a história dos trabalhadores de lá, de outra época e de outro lugar, trabalhadores de um Portugal obscuro e senhorial, que labutaram até a estafa para o patrimônio e conforto dos donos de terra. Um lá que se funde ao cá. Entremos no teatro, fomos convidados. Sentemo-nos, a ação vai começar. Reparemos no cenário... O espaço cênico desprovido da extravagância inútil ou de desnecessidades estéticas. Reparemos na música... O suave acompanhamento ou a força propulsora, conforme a situação. Reparemos nos figurinos... A caracterização exata, ao mesmo tempo única e universal. Reparemos no texto... O respeito extremo ao tom e sabor lusitano, ao dom e labor de Saramago. Reparemos na iluminação, no coro das vozes, nos trabalhos de xilogravura que adornam e acrescentam, que conversam entre si e conversam conosco... Reparemos, sobretudo, nos atores... Atores, atuantes, autorais... Pessoas, personas, personagens... Sobretudo: trabalhadores, como aqueles a quem representam. Trabalhadores que lutaram por uma jornada mais justa, trabalhadores que lutaram por um pagamento mais justo. Comendo vem a vontade, falando se aprende a falar, ouvindo se aprende a narrar. Trabalhadores, narradores. Trabalhadores, camaradas. Trabalhadores que lutaram por terra. Refrão inesgotável: Terra! Terra! Terra!... Os estandartes nos levam e acompanhamos a saga dos Mau-Tempo: Domingos, Sara da Conceição, João, Faustina, Antônio, Gracinda, Maria Adelaide. Viajamos por plagas alentejanas e por terras de nossa imaginação, viajamos por Monte Mor, Gadanha, Monte Lavre, Évora, Lisboa, Rio Branco, Xapuri, Alto Juruá... Sofremos com o chicote do feitor, sofremos com os tiros dos soldados, sofremos com as memórias de todas as chacinas do mundo. Mas o mundo não haveria de ser só chacinas... Repartimos os amores naturais e imortais dos seres humanos, de homens e mulheres, pais e filhos, mães e filhas, irmãos e camaradas. Repartimos o pão e o chouriço. Repartimos a vitória do basta, de um basta que passa de boca em boca, que cresce e se torna uníssono: Basta! E, ao final, os cravos, vermelhos. E o governo deitado abaixo. E a revolução. Em tudo, em cada parte e no todo, reverberaram as palavras de José Saramago: “Levantado do Chão fala de trabalhadores. Aprendamos um pouco, isso e o resto, o próprio orgulho também, com aqueles que do chão se levantaram e a ele não tornam, porque do chão só devemos querer o alimento e aceitar a sepultura, nunca a resignação”. A peça acabou. Levantemo-nos todos!
Cesar Augusto de Oliveira Casella